A Casa do Risinho e a Casa da Gargalhada
Suely Chisayo Nishi
Imaginava que toda Casa do Risinho tivesse mulheres boas, cachaça, quarto privativo e luz
vermelha. A Casa do Risinho de José da Silva nem luz tinha. Dona Generosa era quem
gerenciava as moças. Tão pão-dura que regulava até luz.
O que chamavam de quarto na verdade era um quarto do quarto: dividia-se um quarto em
quatro partes através de cortinas quadriculadas. As cortinas formavam corredores por onde
trombavam pai, filho, amante da mulher, cunhado, sogro, esmolento e prefeito. Se mesmo com
parede blindada daria para ouvir ruídos, imagine com aqueles panos vagabundos.
Na prática, devido à escuridão, ao tamanho do espaço e ao uso das cortinas, havia duas
conseqüências, uma boa e uma ruim. A boa é que dava a impressão de que outras moças
também estavam fazendo ousadia na mesma cama. A ruim é que muitas vezes parecia até que
o bafo de um macho vinha no cangote.
A mão fechada de dona Generosa atraía toda sorte de moças: desde desdentadas, como a
Dezinha, até umas chochas-do-peito-relando-o-chão. Complementando: sua mão fechada
atraía toda sorte de moças feias. E olha que no escuro até o capeta melhora um pouco.
A gente nem podia selecionar a menos horrenda. Quem escolhia a profissional era dona
Generosa. E quando chegava um rapaz de seu gosto, dizem até que era ela quem fazia o
serviço. No fundo, fazia isso para pagar uma comissão a menos.
Os clientes reclamavam bastante, principalmente dos produtos, mas por tratar-se de algo de
primeira necessidade e por falta de concorrência, não deixavam a Casa. Mesmo no breu das
instalações, todos apertavam os olhos para se certificarem de que nada enxergariam.
Outros já chegavam mamados para que o álcool fizesse o seu santo milagre.
Percebendo essa demanda insatisfeita, dona Eva, de Paraisópolis, resolveu montar uma
filial de seu empreendimento bem em frente à Casa do Risinho. O estabelecimento
chamava-se Casa da Gargalhada, com direito a coquetel de lançamento e a promoção de
inauguração. Foi um alvoroço em José da Silva, formando fila de dar volta no
quarteirão. Até o Padre Carvalho apareceu por lá, mas foi para benzer o local antes do
início das atividades.
A promoção de inauguração consistiu no oferecimento de amostras grátis dos produtos
da Casa. Mas mesmo depois de consolidada no mercado, a empresa de dona Eva não abria mão
das tais promoções: havia a leve duas, pague uma, a achou,
gamou, a quem brocha não paga nada e assim por diante. Dona Eva
mantinha um banco de dados atualizado de seus clientes, com seu perfil completo e seu
produto preferido. Realizava parcerias com hotéis da cidade e oferecia serviços de
delivery que alcançavam inclusive os lugarejos vizinhos. Também criou um Cartão
Fidelidade, que no início, devido ao nome, amedrontou muitos homens, mas depois todos
compreenderam seu sentido e puderam desfrutar de suas vantagens, como um serviço gratuito
a cada dez visitas.
A qualificação técnica e visual das moças era milhares de vezes superior à da
concorrência. Como dona Eva era uma boa pagadora, as moças da Casa do Risinho logo
procuraram suas instalações, inclusive a própria dona Generosa, mas foram reprovadas
pela equipe do Controle de Qualidade da Casa da Gargalhada. Era a equipe mais invejada de
toda José da Silva. Todos queriam saber como eram feitos os testes e como fazer parte
daquele verdadeiro dream team.
Ultimamente a clientela da Casa da Gargalhada tem diminuído. Talvez porque produtos da
mesma qualidade são encontrados com certa facilidade nas Casas de Família, sendo
oferecidos serviços gratuitos.
Percebendo que os serviços nem sempre podiam ser oferecidos nessas tais Casas de
Família, dona Eva mais uma vez mostrou que estava atenta ao mercado: criou motéis,
drive-ins e cultivou matinhos para se adequar às novas necessidades e a todos os bolsos.
Não é à toa que ela tem sido eleita, ano após ano, o destaque empresarial de José da
Silva e região.
Suely Chisayo Nishi (1977), é formada em Publicidade pela ECA - USP.
Atualmente estuda Direito na Universidade Estadual do Amazonas, em Manaus (AM). É
servidora daquele Estado e informa que "tenta ser escritora nas horas vagas."
[ Voltar ]
RESPEITE OS
DIREITOS AUTORAIS E A PROPRIEDADE INTELECTUAL
Copyright © 1996 PROJETO RELEITURAS.
É proibida a venda ou reprodução de qualquer parte do conteúdo deste site. |