Epitáfio ecológico
José Alberto Braga (JAAB)
E de repente, não mais que de repente, como um enfarte na hora da
sobremesa, surge a tal da ecologia a instalar-se no calendário da
nossa existência. E tome verde, que te quero verde. Clorofila.
Densas matas. Fontes murmurantes. Cascatas tonitruantes. Arvores
plantadas por sujeitinhos de fato e gravata mais ou menos puídos (ou
poluídos). E chega de poluição, pelo menos neste parágrafo.
Eis a ecologia, segundo a definição: "Estudo dos seres vivos em
função do meio natural em que vivem, solo, clima, topografia". O
termo foi introduzido por Haeckel para designar a adaptação dos
organismos ao ambiente e é hoje usado por geógrafos e sociólogos.
Só que a ecologia já entrou em campo a perder por cinco a zero.
Querem exemplos? Para cada árvore plantada, o extermínio de uma
floresta. Para um rio mais ou menos recuperado, quatro ou cinco
definitivamente secos. Para cada novo capítulo aprovado na nova lei
do silêncio, uma nova subida nos decibeis da poluição sonora. E em
cinco massacrantes mensagens publicitárias, sobrevive apenas um
apostólico "é proibido colar cartazes". Onde, rapazes?
Mais há mais, muito mais. A memória do cogumelo de Hiroshima ainda é
maior do que qualquer guarda-chuva anti-atómico. Para qualquer
acordo de paz assinado, corresponde uma dúzia de actos terroristas.
E, claro está, perante um novo campo arado e fértil, registrase a
morte de um milhar de pessoas. De fome, claro está.
Daí que quando Haeckel descobriu a ecologia pensou ter chegado a
Porto Seguro, quando simplesmente estava a descobrir o caminho da
volta sem a ida. Hoje é isso que se vê, ecologia ab hoc et ab hac,
ou a torto e a direito, na devida tradução.
O grande tema ainda é a poluição, o resto é conversa de pintainhos.
O grito do vizinho do 5° esquerdo, a telenovela das nove no eco de
todo o prédio, o engarrafamento de um sem fim de viaturas, o sino
electrónico da igreja, o tubo de escape do carro do Joãozinho, a
explosão demográfica e sei lá o que mais, que o meu saco também já
está poluído.
Que me perdoem os ecologistas, mas não há dúvida de que a poluição é
nossa, veio para ficar e vai crescer mais e mais, de pai para filho.
E todos, sem excepção, vão entrar pelo tubo de escape do carro do
Joãozinho. Quem viver, com mais tosse ou menos tosse, verá ou
sentirá nos seus pulmões.
Enfim, para não dizerem que fiquei na periferia do assunto ou na
órbita dos acontecimentos, aqui fica a definição última do tema, que
inclusivamente poderá ser colocada na minha, espero que longínqua,
lápida.
— Pense ilustre passageiro, no belo tipo "porreiro" que jaz neste
cemitério. E no entanto, acredite, quase morreu de ecologia, foi
salvo por uma pneumonia.
E mais abaixo:
— Não peço orações, bastam três pragas ecológicas.
(Foi mantida a grafia
original)
José Alberto Braga (JAAB) nasceu em Braga, Portugal, no
dia 17 de janeiro de 1944. Aos 15 anos emigrou para o Brasil na
qualidade de “trabalhador agrícola”, atividade que nunca exerceu. No
Rio de Janeiro, durante cerca de 25 anos, foi trabalhador de
farmácia, office boy, bancário, bibliotecário e finalmente
jornalista.
Nos anos 60 e 70 tem algumas incursões teatrais, na escrita e como
ator. Sob a direção de Oswaldo Loureiro, trabalhou na peça “A
Capital Federal”, de Arthur Azevedo, e em “Feiticeiras de Salém”,
contracenando com Mário Lago, entre outras.
Depois de passagem pelos jornais do meio português no Brasil, foi
colaborador do suplemento “Idéias”, do Jornal do Brasil, Tribuna da
Imprensa e revista “Vozes”. Trabalhou como redator do programa
“Portugal sem Passaporte”, exibido na extinta TV Tupi e na TV
Bandeirantes (1973-75), programa por duas vezes premiado pela
crítica brasileira.
Em 1974, é licenciado em Jornalismo pela Universidade Federal
Fluminense. Inicialmente como colaborador, a convite de Millôr
Fernandes tornou-se redator de “O Pasquim” (1978-79), assinando à
época sob o pseudônimo de “JAAB”. Também trabalhou em diversos
programas de rádio no Rio de Janeiro.
Em 1982, regressa a Lisboa na qualidade de correspondente do Jornal
do Commercio do Rio de Janeiro. Nesse mesmo jornal, durante dez anos
e a partir de Portugal, manteve uma coluna diária sobre
acontecimentos portugueses e luso-brasileiros.
Ao longo de 20 anos, foi colaborador do “Diário de Notícias”,
“Público”, “Jornal de Letras” e “TV Guia”, em Lisboa. Participou
freqüentemente de programas da televisão portuguesa – RTP e SIC – na
qualidade de comentarista de assuntos internacionais (telejornais e
programas de atualidade, como “Acontece”, “Sinais do Tempo” e
outros).
Ainda como correspondente da imprensa brasileira, presidiu a
“Associação de Imprensa Estrangeira” em Portugal (1987/1989). Foi
vice-presidente da Casa do Brasil em Lisboa (1993/1994).
Junto com o embaixador José Aparecido de Oliveira, trabalhou
ativamente na construção da CPLP (Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa). Também por sugestão de Aparecido, elaborou a publicação
“Guia Brasil”. Foi criador e diretor da revista “Lusofonia” (1997).
Diretor e orientador editorial da Editora Mensagem (Lisboa), de 2000
a 2005.
Regressa uma vez mais ao Rio de Janeiro, em 2006, e retoma
atividades na imprensa, especialmente no Jornal do Commercio do Rio
de Janeiro.
Livros publicados:
“As treze pragas do século XX”, editora Folhetim, Rio de Janeiro,
1976, prefácio de Millôr Fernandes.
“Tira a mãe da boca”, Codecri (editora de “O Pasquim”), Rio de
Janeiro, 1980, prefácio de Jô Soares.
“Como passar no vestibular sem fazer força”, editora Marco Zero, Rio
de Janeiro, 1988. (*)
“O guia da sobrevivência política”, ilustrações do cartunista
português Antônio, editora Pergaminho, Lisboa, 1991.
“Fábulas imorais”, editora Pergaminho, Lisboa, 1995.
“Breviário de assuntos inúteis”, Trinova, Lisboa, 1998.
“O caçador de Étês”, Trinova, Lisboa, 2001.
“Pensamentos & Reflexões”, editora Mensagem, Lisboa, 2002,
ilustrações de Casimiro Barreto.
“Fábulas Imorais”, (2ª. Edição), editora Mensagem, Lisboa, 2004),
capa de Millôr Fernandes.
“Fundamentalismo para Principiantes”, editora Planeta, Lisboa, 2008.
“Pensamentos e Reflexões” (2ª. edição), Ficções Média, 2008.
“Fábulas Imorais” (3ª. Edição), Gryphus editora, Rio de Janeiro,
2008. Prefácio de José Eduardo Agualusa.
(*) Os três primeiros livros foram publicados sob o pseudônimo de
JAAB
Biografias:
“Os olhos da Alma – a Vida de Manuel Madruga”, Trinova, Lisboa,
1999.
“José Aparecido – o Homem que Cravou uma Lança na Lua” Trinova,
Lisboa, 1999.
Teatro do autor:
“O Mistério do Queijo Desaparecido”, peça infantil encenada no Clube
Ginástico Português do R.de Janeiro, 1973.
“A Funerária”, peça de humor negro, 1980.
“Purpurina’s Bar”, peça irônico-existencial, 2000.
Texto extraído do livro "O Caçador de Étês", Editora Trinova —
Lisboa, Portugal, 2000, pág. 92.
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