Tempo de Natal
Fortuna
Era Natal e a neve caía. A gente não via porque com aquele sol ela devia ter se
evaporado. Mas no pinheirinho perto da janela ela se acumulava em flocos de algodão
hidrófilo.
Nos lares acendiam-se as tevês e um jingle crepitava ao chocalhar das renas. O Jingle
Bell ! O Jingle Bell ! Entrava Papai Noel e sorteava uma cartinha de um montão.
Na mesa a hora da consoada soava.
De repente o vexame: as neves do pinheirinho levaram uma pancada dágua mais forte
do que podiam chupar e ficaram tão pesadas que podiam até quebrar um galho.
Na rua era uma graça ver os bons velhinhos correndo pra trocar seus cajados por
guarda-chuvas, chapinhando nas poças que se formavam dentro das botas.
Só na televisão a chuva era horizontal e o peru, cheio da farofa, veio para o centro da
mesa transformado em galinha. A dona da casa corria de um lado pro outro explicando:
Encolheu com a chuva! Encolheu com a chuva!
Reginaldo José de Azevedo Fortuna,
maranhense de 1931, foi jornalista, desenhista, humorista e artista gráfico. Colaborou
como cartunista e diretor de arte na revista "Pif-Paf", no "Correio da
Manhã" criou "O Manequinho", página de charges políticas, no
"Pasquim" fez direção de arte e colaborou com textos e caricaturas, além de
sua participação em "O Bicho", "Folhetim", da Folha de São Paulo, e
da "Careta". Segundo Millôr Fernandes em "Retratos em 3 x 4 de alguns
amigos 6 x 9" (1969), "tem trinta e poucos anos de altura, a personalidade
dele mesmo, riso hipotético, traço desconfiado e é tarado por coisas que detesta.
Perfeccionista nato, entre suas descobertas estão o furo da rosca, o oco exterior e a
moeda sem coroa. Profundo humorista, fica triste sempre que o levam a sério; acha que
nunca foi tratado com a hilaridade que merece."
Participou das antologias "Seis desenhistas brasileiros de humor" (Ed. Massao
Ohno, 1962), "Hay gobierno?" (Ed.Civilização Brasileira, 1964),
"Dez em humor" (Ed. Expressão e Cultura, 1969). É autor dos livros
"Aberto para balanço" (Ed. Codecri, 1980), "Diz, logotipo"
(Kraft/Studioma, 1990) e "Acho tudo muito estranho (já o prof.Reginaldo, não"
(Ed. Anita Garibaldi, 1992).
O autor faleceu precocemente no dia 05/09/1994. No 22º. Salão de Humor de Piracicaba,
realizado em 1995, foi criada e concedida a Medalha "Reginaldo Fortuna" aos
maiores destaques do humor da cultura do país, entre eles os cartunistas Jaguar,
Claudius, Ziraldo e Millôr Fernandes; o palhaço Arrelia e a comediante Dercy Gonçalves.
Texto extraído do livro Acho tudo muito estranho (já o prof. Reginaldo,
não), Editora Anita Garibaldi São Paulo, 1992, pág. 37.
Foto cedida por Anna Fortuna.
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