PAH!
Artur de Carvalho
— A vida é engraçada. A gente está aí,
andando, conversando com todo mundo. De repente, pah! Uma
apendicite. Às vezes, supurada. Quer dizer, eu não estou aqui
dizendo que uma apendicite supurada é uma coisa engraçada. Não é bem
isso. Eu estou querendo dizer que todo mundo acha que ainda tem
milhares de anos de vida e, de repente, não tem tanto assim.
— Olha. Nem começa com esse papo.
— Que papo?
— ESSE papo. Você está ficando
neurótico.
— Neurótico?
— É. A gente não pode parar para tomar
uma cerveja que você já come ça com esse papo mórbido.
— Esse não é um papo mórbido. Você é
que gosta de tapar o sol com a peneira.
— Que sol? Que peneira? Eu estou aqui,
em pleno feriado, tentando me divertir um pouco, e você vem com esse
papo de apendicite supurada...
— Mas você não vê que terrível é saber
que a gente não vai durar para sempre?
— Ver, eu vejo. Mas e daí? Quando
minha hora chegar, chegou. Pronto.
— Pronto? Só isso, pronto? E você não
se desespera?
— Me desesperar por quê? As coisas são
assim, oras.
— Mas você não entende? Nós estamos
aqui, agora. Nós dois. E, de repente, pode me dar uma dorzinha no
peito e... e...
—E o quê?
— E... Pah!
Que pah, que nada... Eu nunca te vi
mais bem disposto...
— As lâmpadas sempre brilham mais
antes de se queimar.
— Lâmpadas? Que lâmpadas?
— Eu estou querendo dizer que é sempre
assim. As p estão no auge. E sem mais nem menos... pah!
— Você precisa parar de pensar nessas
coisas. Olhe em volta, quanta gente se divertindo!
— É. E pensar que, daqui a cem anos,
vai estar tudo debaixo da terra...
— Pára com isso, já disse...
— Por quê? Você acha que vai durar
mais de cem anos?
— Eu não disse que vou durar cem
anos... Só disse que não ligo a mínima pra isso...
— Você não gosta da vida, isso sim...
— Eu adoro a vida! Eu adoro o sol!
Adoro meus amigos! Adoro minha família!
— E pensar que, um dia, tudo isso...
pah!
Bem. Nessa hora, eu não agüentei e
voei pra cima dele. Você tem de compreender que eu até que agüentei
bastante. Eu agüentei aquele papo de apendicite. De dor no peito. De
peneira. De durar cem anos. E eu agüentaria muito mais. Mas, na hora
que ele praticamente enterrou a minha família, eu não agüentei e
voei pra cima dele.
— Nossa! E aí?
— Aí... pah!
— PAH!!!???? Você o matou?
— Matar? Quem falou em matar?
— Você que falou que voou pra cima
dele e pah!
— Foi o barulho do tapa que eu dei na
cara dele, oras...
— E ele sobreviveu?
— É claro que sobreviveu!
— Ai, graças a Deus...
Artur de Carvalho (1962 - 2012) colaborou com o "Diário de Votuporanga", interior de
São Paulo, de 1997 à 2012. Autor dos livros "O Incrível Homem de Quatro Olhos",
edição do autor Votuporanga, 2000, e "Pah!", Vialettera Editora, 2003.
Além de excelente escritor e cronista, era cartunista e ilustrador dos melhores.
Seus trabalhos podem ser conferidos em seu site, onde também
se pode comprar os livros:
Sítio:
www.arturdecarvalho.com.br
Homenagem póstuma
ao querido amigo Artur.
Texto extraído do livro “PAH!”, São
Paulo, Editora Via Lettera, 2003 – São Paulo (SP), p.69.
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