Tá com essa cara por quê?
Artur de Carvalho
Cientistas ingleses afirmaram que já é possível fazer transplantes
de rosto.
É isso mesmo. Eu li a notícia numa dessas revistas de ciências, no
consultório do meu médico A ideia dos cientistas é retirar a pele do
semblante de um doador e reimplantá-la em outra pessoa. Afinal, eles
dizem, a pele é apenas mais um órgão humano e, se já é possível
fazer transplantes seguros até do coração, que é muito mais
complicado, por que não da pele?
Eu fiquei abismado. Primeiro que eu nem sabia que a pele era
considerada um órgão.Segundo que essa operação oferece
possibilidades que beiram a ficção científica.
É, porque, embora os tais cientistas ingleses afirmem que a intenção
deles é apenas recuperar pessoas desfiguradas por queimaduras, eu
duvido muito que a coisa vá ficar por aí.
Você agora pode mudar de cara, entende? Quem sabe se, daqui alguns
anos, a gente não vai poder escolher novas feições numa clínica ou
até mesmo num supermercado ou num shopping?
A maioria das pessoas com quem comentei a notícia ficou
entusiasmada. Afinal, quase ninguém é muito feliz com a cara que
tem. Um reclama do nariz mais protuberante. A outra, de suas orelhas
de abano. Um terceiro que tem muitas espinhas. Todo mundo quer mudar
de cara.
Apenas um dos meus amigos não gostou muito da ideia. E com uma certa
dose de razão.
— Eu é que não troco a minha cara. Apesar de feia, com essa pelo
menos eu já estou acostumado.E, mesmo se fosse para trocar, eu ia
querer a cara de quem? É uma pergunta interessante. A cara de quem
você gostaria de ter? Do Silvester Stallone? Não. Acho que eu
prefiro alguma coisa um pouco mais intelectual, Talvez do Woody
Alien. Não, também não. Eu nunca fiquei bem de óculos. Do Tom
Cruise? Não. As fãs não iam me deixar em paz. Do BilI Gates? Bem, só
se, junto com a cara, viesse também seu saldo bancário. A verdade é
que é muito difícil escolher uma nova cara.
— E tem outra— continuou meu amigo—, já imaginou ter a cara de outro
homem ali, o tempo todo, encostadinha em você? Cai fora, sô...
Mas é claro que, apesar das dificuldades, muitas pessoas iam acabar
aderindo aos transplantes de rosto. Umas por vaidade. Outras só
porque é moda. E muitas por razões que a gente menos imagina.
— Mãe? Mas que cara é essa???
— Eu troquei de cara, filho.
— Mas... é a senhora mesmo?
— É claro que sou eu, meu filho.
— Mas essa cara, mãe, essa é a cara da... da...
— Joana Prado, filho, eu sei.
— Mas logo da Feiticeira, mãe! Não tinha outra cara pra você
colocar?
— Pois é, filho. É que eu quis fazer uma surpresa pro seu pai. Pro
meu pai?!
— É. Ele sempre vivia falando dessa Feiticeira pra cá, Feiticeira
pra lá. E eu quis fazer uma surpresa pra ele e coloquei a cara dela.
— Puxa vida, mãe... Mas... e o pai gostou?
— Gostou nada. Quem é que disse que era da cara da Feiticeira que
seu pai gostava?
— Gostou nada. Quem é que disse que era da cara da Feiticeira que
seu pai gostava?
Artur de Carvalho (1962 - 2012) colaborou com o "Diário de Votuporanga", interior de
São Paulo, de 1997 à 2012. Autor dos livros "O Incrível Homem de Quatro Olhos",
edição do autor Votuporanga, 2000, e "Pah!", Vialettera Editora, 2003.
Além de excelente escritor e cronista, era cartunista e ilustrador dos melhores.
Seus trabalhos podem ser conferidos em seu site, onde também
se pode comprar os livros:
Sítio:
www.arturdecarvalho.com.br
Esse foi o último texto que nos foi gentilmente enviado pelo escritor,
antes de seu falecimento em 21 de março de 2012.
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